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Relacionamento Sugar

Um tipo de relacionamento polêmico que ganha cada vez mais espaço no Brasil

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Por: Gabriel Del Cima, Guilhermo Pancotti e Marcus Vinicius

Relacionamentos entre pessoas com uma grande diferença de idade não são de hoje. Há bastante tempo, já existiam casais “polêmicos” que davam o que falar. Entretanto, essa união está se transformando cada vez mais. De apelido carinhoso à contrato no cartório, o Relacionamento Sugar se estabeleceu como uma forma alternativa de conhecer uma pessoa. O aumento do uso de termos como "Daddy", "Mommy" e "Baby" trazem consigo debates que transpassam a esfera conjugal. Temas como prostituição, cultura da pedofilia e lutas feministas são alguns dos associados a essas discussões.

 

O termo ‘Sugar’ tem sua origem em 1908. Adolph Spreckles, um herdeiro americano da Spreckles Sugar Company, grande fábrica de açúcar sediada no estado da Califórnia, casou-se, aos 51 anos, com a artista americana Alma de Bretteville, que na época tinha seus 27 anos. E foi justamente o apelido íntimo de Adolph que ficou famoso: Sugar Daddy.

Adolph Spreckles e Alma de Bretteville, respectivamente (Reprodução:Internet)

Nos Estados Unidos, esse tipo de união se popularizou em 2006 com a criação do site SeekingArrangement pelo empresário Brandon Lee. Na página, o homem paga uma mensalidade de 50 dólares e as mulheres podem entrar gratuitamente. A partir dela, diversas outras surgiram e concretizaram a fama mundial dessa relação. 

 

O Relacionamento Sugar chegou oficialmente no Brasil em 2015, através do site MeuPatrocínio, fundado e administrado pela empresária Jennifer Lobo. A relação se baseia em acordos para benefício de ambas as partes. Esses acordos não necessariamente são escritos que nem em 50 Tons de Cinza, mas, é recomendável que o relacionamento siga as regras preestabelecidas, para que, assim, possa atingir todas as expectativas definidas.

 

Dentro dos Relacionamentos Sugar, o tipo mais comum é chamado de Namoro Sugar, que consiste em encontros rotineiros com contato físico. Vai do casal tornar esse namoro público ou "deixar no off”. Além disso, é necessário que um dos parceiros receba uma mesada semanal ou mensal, podendo ainda ganhar uns presentinhos a mais. De acordo com o Universo Sugar, um dos maiores sites de encontro desse tipo no Brasil, esse relacionamento é descomplicado. “Nele não existe a parte chata dos relacionamentos tradicionais, como cobranças, ciúmes e brigas desnecessárias. É conhecido por ser leve e divertido".

 

Mas quem realmente está inserido nisso?

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Sugar Daddy - Na tradução literal, papai doce. Os Sugar Daddies são homens bem-sucedidos e generosos que não têm tempo para conquistar alguém da maneira tradicional, mas querem manter um relacionamento. “Sustentam” a relação.

 

Sugar Baby - Na tradução literal, bebê doce. Sugar Babies são pessoas geralmente mais novas e encantadoras, podendo ser mulheres ou homens, que gostam de ser mimadas, ganhar presentes, ir para lugares chiques e não querem preocupações. São “sustentados” na relação.

 

Sugar Mommy - Já as “mamães doces” são mulheres bem-sucedidas e poderosas que estão desiludidas pelos namoros tradicionais e querem uma companhia agradável para curtirem a vida. “Sustentam” a relação.

 

Salt Daddy/Mommy - Também existem Daddies e Mommies que não são tão doces assim. O termo Salt, que quer dizer ''salgado", é usado para classificar indivíduos que praticam golpes de estelionato eletrônico em plataformas Sugar. Eles fingem ser da categoria Sugar para adquirir vantagens sobre alguém. Sendo a grande maioria homens.

 

Mas como ter um Relacionamento Sugar? 

 

No Brasil, são diversos os sites que promovem o encontro de novos casais. MeuPatrocínio, UniversoSugar, MeuRuby, Glambu e Sudy são alguns deles.  

 

Pioneiro e considerado o maior site de Relacionamento Sugar no Brasil, o MeuPatrocinio conta com quase 9 milhões de cadastrados, sendo mais da metade Sugar Babies femininas (5,6 milhões). Além da opção de buscar por um parceiro, o site possui diversas colunas com notícias em relação ao mundo Sugar, opiniões de especialistas no assunto e até relatos de pessoas que já viveram esse tipo de vínculo.

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​Página inicial do site MeuPatrocínio

Nos cadastramos como um Sugar Baby para explorar mais esse site e ver realmente como funciona. Após a primeira etapa de verificação de email, data de nascimento e país, é preciso que você faça uma breve análise sobre seu corpo (físico, cor dos olhos, cabelo e etc). A partir daí, é possível escolher suas preferências para encontrar um parceiro. Cadastro enviado, o site irá analisar seu perfil. O tempo de espera é variado. Há usuários que esperaram mais de dois meses para serem aceitos, enquanto outros puderam entrar em menos de 24 horas. Caso você não queira esperar, é disponível um serviço para furar a fila. Custa R$249,00. 

 

Com o login aceito, você poderá saber quem visualizou seu perfil. Existem dois tipos de Sugar Daddy no MeuPatrocínio. O Elite paga mil reais mensais para estar na plataforma e tem à sua disposição o que o próprio site considera como "as melhores Sugar Babies". Já o Premium paga 279 reais. Não é possível puxar assunto com alguém se você for um/uma Sugar Baby. 

 

Sugar Baby e embaixadora do MeuPatrocínio, Talita Gois disse que, a princípio, não tinha a noção do que era um Relacionamento Sugar, mesmo já tendo vivenciado. Hoje, assume estar em um namoro dos seus sonhos, mas que considera um pouco inusitado em virtude da idade de seu parceiro.

Talita Gois, embaixadora do site MeuPatrocínio e Sugar Baby

(Reprodução:Internet)

"A galera tem uma ideia bem equivocada sobre esse tipo de relação (que as pessoas precisam ter uma diferença de idade enorme), mas a Relação Sugar tem mais a ver com o perfil da pessoa de naturalmente ser um provedor do que com a idade. Por exemplo, o meu Sugar Daddy é 2 anos mais novo do que eu, porém a sua mentalidade sempre foi de que o homem deve ser o provedor. E, apesar da pouca idade, já é muito bem sucedido financeiramente e tem uma história incrível de sucesso.”

 

Talita ainda diz como o relacionamento impactou diretamente sua vida: “Eu cresci em uma família em que meu pai sempre foi o provedor. Cuidar da minha mãe era um prazer e uma honra para ele. Poder viver isso nos dias de hoje, ter alguém que tenha prazer em cuidar de mim, me motivar e investir na minha vida profissional é incrível. Eu realizei muitos sonhos. Virei uma empresária bem sucedida. Tudo com o apoio do meu Sugar Daddy."

 

Ela conclui dizendo que a visão equivocada das pessoas pode interferir negativamente na escolha pelo namoro e que um de seus objetivos como embaixadora do MeuPatrocinio seria acabar com essa desinformação: "Sempre envolveu amor acima do dinheiro”, além de trazer novos usuários para o site.

 

Mas nem todos compartilham dessa mesma opinião.

 

A expressão da língua inglesa que utiliza de um prefixo já conhecido por nós, to sugarcoat, de acordo com o Cambridge Dictionary, significa fazer algo parecer mais positivo ou prazeroso do que realmente é, por alguma motivação não revelada.

 

Apesar de parecer uma forma alternativa de se relacionar e ganhar dinheiro, o universo Sugar seria algo muito mais complexo, que abre o leque para diversas discussões. Além da grande sexualização do corpo feminino, promovida pelos sites ao classificar as Sugar Babies, casos de abuso, golpes e violência física já foram reportados por usuários, principalmente mulheres.

 

"Os sites direcionados a pessoas que querem uma relação de Sugar Baby e Sugar Daddy estão repletos de homens que procuram sexo barato e que querem manipular mulheres jovens. Já aconteceu de um Sugar Daddy me pagar o que tínhamos combinado por um mês e depois ele queria que eu encontrasse com ele por menos dinheiro porque disse que o que a gente tinha era 'real'. Outros já tentaram me pressionar a não usar camisinha" - relata uma ex-Sugar Baby, que preferiu não se identificar.

 

Patricia D’Abreu, coordenadora do curso de Jornalismo da Universidade Federal do Espírito Santo e pesquisadora da questão de gênero, explica como a ascensão do Relacionamento Sugar contribui para evidenciar ainda mais o patriarcado na sociedade brasileira:

 

"O patriarcado já está mais que concretizado em nossa sociedade: ele é a base dela. Sobre o Relacionamento Sugar, penso que é uma das formas perversas desse patriarcado se efetivar: na relação íntima. Vejo com muita reserva e preocupação a afirmativa de que esse tipo de relacionamento estaria se 'popularizando', uma vez que a cultura do estupro, a objetificação dos nossos corpos, a misoginia e a intensa desigualdade entre gêneros levam o Brasil a ser um país extremamente violento para as mulheres”.

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Outro debate vinculado ao Relacionamento Sugar é a possivel propagação da cultura da pedofilia. A organização internacional Girl not Brides, que busca acabar com o matrimônio infantil, afirma que esse tipo de união é motivada por valores patriarcais e pelo desejo de regular a sexualidade feminina. Mesmo que não seja regra, a esmagadora maioria das uniões Sugar são entre homens mais velhos e mulheres mais novas. Essa construção, ao se basear na sexualização do estereótipo infantil, usando termos como "baby'', "daddy" e "mommy" (bebê; papai; mamãe), seria responsável por romantizar a cultura da pedofilia na sociedade brasileira.
 

Em relação à prostituição, todos os sites se prontificam a banir qualquer Sugar que esteja praticando ou estimulando essa atividade. Mas qual seria a diferença entre essas duas ocupações?

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Mulher se prostituindo em uma rua​

(Reprodução:Internet)

De acordo com o suporte à imprensa do site MeuPatrocinio, a diferença entre o Relacionamento Sugar e a prostituição é que a Sugar Baby não vende seu corpo. "Por mais que ela receba mimos e presentes do seu Sugar Daddy, o sexo nessa relação surge como em qualquer outra, quando for da vontade de ambos. Ele é apenas uma consequência da conexão do casal."

 

Entretanto, na prática, alguns usuários parecem discordar dessa alegação. "Definitivamente é um tipo de trabalho sexual, as pessoas admitindo ou não. Eu quando comecei a me anunciar como acompanhante de luxo, percebi que meus clientes são bem mais respeitosos e generosos em comparação às pessoas que eu conhecia nos websites de Sugar Baby."- complementa a ex-Sugar Baby. 

 

Ainda segundo Patrícia, o Relacionamento Sugar gourmetiza a prostituição da mulher infantilizada, sendo este um sintoma das relações de gênero que, em conformidade  com a estrutura machista e patriarcal do Brasil, têm a marca do culto à objetificação e violação do corpo feminino.

 

Em termos jurídicos, o Relacionamento Sugar não se caracteriza como uma união estável, e sim como uma espécie de pacto entre dois indivíduos que precisam alinhar seus desejos em prol do êxito da relação. Porém, para que essa dinâmica de prestação e contraprestação não se torne negativa para alguma parte, é possível que um contrato seja estabelecido em cartório. O chamado ''Contrato Sugar" traz a segurança, principalmente às Sugar Babies, de que todas as decisões sejam respeitadas. O grande problema é que a maioria dos adeptos desconhecem a existência do tratado judicial e se sujeitam a cenários perigosos.  

 

As motivações psicológicas para participação no Relacionamento Sugar podem ser diversas. É comum a presença de homens e mulheres comprometidas que estejam passando por dificuldades em seu casamento e buscam um parceiro para suprir suas necessidades sexuais e sentimentais. Além disso, esses indivíduos buscam os sites para realizarem suas fantasias e fetiches que muitas vezes são negligenciados em relações tradicionais. Práticas de BDSM (bondage, disciplina, dominação, submissão, sadismo e masoquismo) são permitidas desde que haja o consentimento de todos os envolvidos. O fato de estar sustentando alguém não significa que você tenha total domínio da pessoa, mesmo que esse seja seu desejo.

 

“Não dá para traçar um perfil psicológico de quem se propõe a estar em um Relacionamento Sugar. Mas, além de questões financeiras, vejo que muitos Sugar Babies, homens ou mulheres, que tiveram uma carência afetiva paterna ou materna buscam esse relacionamento justamente para suprir essa necessidade”- afirma a psicóloga Renata Fernandes, especialista em relacionamentos.

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​Coração em formato de dólar americano

(Reprodução:Internet)

O jornalista Nelson Rodrigues uma vez disse que dinheiro é capaz de comprar até o amor verdadeiro. Os Relacionamentos Sugar são muito criticados e apontados como banalizadores do amor. Mas como classificar o amor ideal? Durante toda a evolução humana, o jeito "certo" de amar se transformou. Tiveram épocas em que o normal era se casar com quem lhe arranjavam, em outras ganhamos o dom da escolha, mas ela era imutável. Em certas culturas, o indicado era a monogamia, em outras a poligamia. O filósofo Zygmunt Bauman afirma que a contemporaneidade é caracterizada por conexões sociais líquidas que são maleáveis e indeterminantes. Logo, o que é o Relacionamento Sugar senão um reflexo do que vivemos atualmente? Porém, é preciso que se tome cuidado com as motivações desses vínculos, já que elas podem ser uma tentativa de deixar vivo comportamentos desprezíveis do ser humano.

 

Mesmo que traga consigo sérios problemas estruturais, a União Sugar parte de um princípio que poderia ser relacionado a todos os vínculos humanos: o culto ao diálogo. Cada indivíduo com o seu interesse exposto e respeitado.

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"O mais belo dos elos será aquele que faça a melhor união entre si mesmo e aquilo a que se liga." - Platão  

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